I
A
Lê com atenção o texto que se segue e responde com frases completas e bem estruturadas às perguntas:
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Escrevo esta crónica num caderno pautado, eu que nunca escrevo em papel pautado porque me lembra a escola, e volto a ter uma caligrafia infantil. Era uma escola pequena, a minha, com um professor tirânico que puxava pelos do nariz: ramal[1] da Beira Baixa, afluentes da margem esquerda do Tejo, o nome predicativo do sujeito.
— Diz o nome predicativo do sujeito, idiota
e nós lá gaguejávamos o nome predicativo do sujeito, cheios de dúvidas, a hesitar. O professor escolhia um pelo, desprezando-nos
— Nunca hás de ser ninguém na vida
e o facto do nome predicativo do sujeito me impedir de ser alguém na vida preocupava-me. Que raio de importância tão grande o nome predicativo do sujeito tem? Ou o ramal da Beira Baixa? Ou os afluentes da margem esquerda do Tejo? Meu Deus a quantidade de coisas que existem entre mim e o meu futuro. (…)
O professor
— Estás a olhar para ontem, idiota?
E é verdade, estou a olhar para ontem, sempre olhei para ontem. Até o amanhã é ontem às vezes. Charlie Parker[2] interrompeu uma vez uma gravação, atirando com o saxofone, a gritar
— Já toquei isto amanhã
e ninguém foi capaz de convencê-lo a continuar. Como eu o compreendo, como às vezes sinto
— Já escrevi isto amanhã.
e rasgo tudo. Um trabalho difícil, quase tão difícil como viver. Acho que não sei viver. Acho que não sei viver? Acho que não sei viver como os outros vivem. Que dias os meus, repletos de surpresas, de mistérios. De espantos. Sou um saloio: não há monstra de loja que não me encante, sobretudo as lojinhas minúsculas de certos bairros, mercearias, roupas, brinquedos. Apetece-me logo comprar vassouras, aipo, um macaco de corda, a camisa mais feia que descobrir na montra. A beleza das coisas feias fascina-me. O seu ar de desamparo, coitadas. A cinquenta metros de da casa dos meus pais existia um estabelecimento de vestidos e artigos correlativos chamado Marijú, com empregadas a cheirarem bem que me faziam cócegas na alma. Não se calcula o que a Marijú alegrou a minha infância. A Marijú, do meu ponto de vista, era o centro do quarteirão. Para indignação minha, a minha mãe considerava a Marijú o suprassumo do horrível, a ignorante. Em matéria de gosto os meus pais deixavam muito a desejar: detestavam quadros com gatinhos a saírem de botas velhas, palhaços de porcelana a chorarem, dálmatas cromados em tamanho natural. Onde se viu tanta cegueira? Serras do sistema galaico-duriense: Peneda, Soajo, Gerês, Larouco, Falperra, etc. Ficou tudo na minha cabeça graças ao medo do professor, conhecimentos utilíssimos, até ele apreciava a Marijú: tenho de concordar que em espírito artístico superava os meus pais. O problema era o nome predicativo do sujeito. Sem o nome predicativo do sujeito a minha infância teria sido utilíssima. Pretéritos, pronomes, tabuada. E os olhos de Charlie Parker tristíssimos nas fotografias. Escrever como ele toca. Vá, António, levanta-te do papel com as palavras. Fecha os olhos e elas saem sozinhas. As palavras são notas, repara. Não penses em nada, abandona-te. O mundo inteiro está dentro de ti. (…)
António Lobo Antunes, in Visão, 15 de dezembro de 2007
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1. Indica o facto do presente que provoca no autor as recordações que partilha com o leitor.
2. A sua memória leva-o a percorrer dois espaços do seu passado.
2.1.Identifica-os.
2.2.Diz, por palavras tuas, o que pensa Lobo Antunes das aprendizagens que efetuava na escola primária. Exemplifica com, pelo menos, duas passagens textuais.
3. Explica o uso da afirmação “Sou um saloio” (l 23).
4. Esclarece o sentido subjacente à frase “Escrever como ele toca.” (l. 38).
B
1. Imagina-te na pele de uma criança fascinada por uma loja de bairro, como a da Marijú, do texto de Lobo Antunes, cheia de objetos fúteis e sem utilidade alguma. Redige uma página de um diário, respeitando as suas características formais e temáticas, num texto bem estruturado, entre 50 e 80 palavras.
II
Lê o texto que se segue:
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22-junho (domingo). O Lúcio é capaz de entrar na aviação. Concorreu ao curso de Oficiais Milicianos Pilotos e já o chamaram. A ver. Também concorreu à Academia da Força Aérea, mas aí deve ser mais difícil. Provas culturais, provas físicas, exames psicotécnicos. Lúcio está um moço difícil. Agressivo, pesporrente, desinteressado do trabalho, absolutamente nas tintas para o desfecho dos exames, faltando às explicações, empurrado à força para o exame de 5º ano da Aliance Française por supor que ia chumbar, e em que passou, uma ligação patológica a uma moça, desinteressado em seguir qualquer curso após a penitência do liceu, ele descobriu subitamente a paixão de ser piloto. Inútil explicar-lhe que o curso não consiste propriamente em darem-lhe um avião para mão par se divertir. Terá que estudar coisas. Terá que aprender a marcar passo, fazer marchas, levantar-se cedo, obedecer ao regulamento, ficar preso a um compromisso. Inútil. Vai para os aviões, vai ter já um ordenado, vai começar já a viver e não ficar à espera uma data de anos para ser proprietário de si mesmo. A velocidade com que estes moços querem entrar na posse do seu destino. Dos seus direitos. Sete anos de liceu. Mais cinco de licenciatura. Mais dois de estágio. Foi a minha conta pelo mínimo. (…) Tudo lento como as formações geológicas. Agora da Geologia, o estilo é o do relâmpago ou do tremor de terra. Rápido e radical. Acabou-se. Boa viagem, Lúcio. Com propriedade, demos-te asas para voar. Entraste cá em casa aos três meses. Aprendeste a fazer o tem-tem, a tentear as primeiras palavras. Aos quatro anos, a tua mãe levou-te. Depois foram as viagens semanais à tua aldeia, a escola, as férias de verão aqui, o liceu de Sintra e por fim os quatro anos de liceu de Lisboa. Ao todo, dezassete anos de preparação para o que és. E, todavia, que é ele do que se preparou? A educação diz respeito ao que é o educador; o resultado, ao que é quem se educou. Por isso, os filhos não crescem para os pais, sobretudo para as mães. É-se mãe de uma criança. O adulto é já mãe de si próprio. Com o pai é um pouco diferente. Porque o pai não pariu o filho nem lhe deu de mamar. Ou seja, não o criou. Assim a criança quase não existe para o pai — o que existe é o adulto. Quando a mãe acaba é que o pai começa. O pai fica à espera de o filho ser homem, para ele próprio se cumprir enfim como homem que é. Até que o filho não precisa de ninguém que seja para ele e o pai se atrasa também na neblina da memória. A que propósito vem isto? Falava do Lúcio, já não sei bem. Talvez a propósito de ele ir para a aviação e simbolicamente e realmente ir ter asas para voar.
Vergílio Ferreira, in Conta-Corrente III, 1990, pp. 64-65
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1. Para responder a cada item, seleciona apenas uma opção:
1.1. De acordo com o autor, Lúcio terá mais facilidade em entrar no curso de Oficiais Milicianos Pilotos uma vez que
a. a aceitação da sua candidatura implica maior possibilidade de empregabilidade.
b. a exigência da Força Aérea e a falta de empenho do jovem são impeditivas da ingressão na Academia.
c. aceitaram a sua candidatura antes da Academia da Força Aérea.
d. deseja muito ser piloto de aviação.
1.2. A ligação entre o autor e Lúcio
a. acabou quando o jovem decidiu tornar-se piloto.
b. começou quando aquele descobriu que nunca iria ser pai.
c. iniciou-se na infância deste e terminou quando ele concluiu o liceu.
d. iniciou-se muito prematuramente e desenvolveu-se ao longo da vida.
1.3. Na palavra “patológica” (l. 6)
a. o elemento “pato” exprime a ideia de “frequente” e “logia” remete para “racional”.
b. o elemento “pato” exprime a ideia de “namoro” e “logia” remete para “doença”.
c. o elemento “pato” exprime a ideia de “doença” e “logia” remete para “estudo”.
d. o elemento “pato” exprime a ideia de “estudo” e “logia” remete para “relações interpessoais”.
1.4. Com o recurso à comparação, na linha 14, o diarista
a. reflete sobre as mudanças acentuadas entre passado e presente.
b. mostra que se preocupa com as alterações das formações geológicas.
c. revela desconhecimento em relação às prioridades da nova geração.
d. demonstra ansiedade pela demora da formação académica de Lúcio.
1.5. Na linha 14, além de uma comparação, encontramos uma
a. metáfora.
b. lítotes.
c. hipérbole.
d. enumeração.
1.6. No enunciado “o que existe é o adulto” (ll. 23-24)
a. as palavras “o” pertencem ambas à classe dos determinantes.
b. o primeiro “o” é um pronome e o segundo um determinante indefinido.
c. o primeiro “o” é um determinante e o segundo um pronome.
d. o primeiro “o” é um pronome e o segundo um determinante.
2. Associa os elementos da coluna da esquerda aos da direita (para cada número uma alínea):
1- As palavras “patológica” (l. 6) e “Geologia” (l. 14)
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A- discurso direto.
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2- O modo de reprodução do discurso usado neste texto é o
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B- são compostos morfossintáticos.
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C- uma enumeração.
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3- Em “Provas culturais, provas físicas, exames psicotécnicos” (l. 3) temos
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D- têm por base o mesmo radical.
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E- são compostos morfológicos.
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4- As palavras “psicotécnicos” (l. 3) e “Geologia” (l.14)
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F- conectivos.
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5- O advérbio “todavia” (l. 19) pertence à subclasse dos advérbios
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G- discurso indireto livre.
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H- de predicado.
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III
Seleciona apenas uma das hipóteses (não te esqueças de a assinalar na folha de resposta):
A- Saramago é notoriamente crítico em relação às mais variadas situações. Comenta a passagem seguinte da obra, sobre uma temática bem atual – a emigração – e as diferentes atitudes entre quem está no seu país ou no estrangeiro, num texto bem construído, entre 130 e 160 palavras:
“bastou-lhe [o elefante Salomão] ter posto o pé nas estradas da europa para logo acordarem em si energias de cuja existência nem ele próprio havia suspeitado. Tem-se observado com muita frequência este fenómeno nas pessoas que, pelas circunstâncias da vida, pobreza, desemprego, foram forçadas a emigrar. Frequentemente apáticos e indiferentes na terra onde nasceram, tornam-se, quase de uma hora para a outra, ativas e diligentes como se lhes tivesse entrado no corpo o tão falado mas nunca estudado bicho-carpinteiro (…).”
B- Em “A história de Arquitas”, Gonçalo M. Tavares afirma que “Acreditar é a maior das inteligências.”. Num texto bem estruturado, entre 130 e 160 palavras, reflete sobre o poder do sonho e da força de vontade no ser humano.
BOM TRABALHO!!!
A professora: Lucinda Cunha
COTAÇÕES:
Grupo I………………………………………… 100 pontos
1.………………………………..… 5 pontos (C=3+O=2)
2.1………………………...……. 10 pontos (C=6+O=4)
2.2..……………………………… 20 pontos (C=12+O=8)
3…………………………………..20 pontos (C=12+O=8)
4.…………………………………. 15 pontos (C=9+O=6) B………………………………….. 30 (C=18+O=12)
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Grupo II ……………………………….. 50 pontos
1………………………………………… 30 pontos
2………………………………………… 20 pontos
Grupo III…………….…... 50 pontos (C=30+O=20)
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Conteúdo = C Organização e Correcção Linguística = O
Correção do teste
Questões e respostas do grupo I retiradas do manual Entre margens de 10º ano, pp. 71-72 (Porto Editora), com algumas adaptações.
I- A
1.Ao escrever num caderno pautado, o autor é levado até à sua infância, altura em que usava este tipo de material na escola.
2.1.A escola e a loja Marijú.
2.2. Lobo Antunes tem, perante os conhecimentos que eram transmitidos na escola primária, uma atitude de perplexidade (“Que raio de importância tão grande o nome predicativo do sujeito tem?”) e, recorrendo à ironia, reconhece a sua inutilidade (“conhecimentos utilíssimos”).
3.O autor afirma que é um saloio por se deixar seduzir pelas pequenas lojas de bairro, como a loja Marijú, cheias de inutilidades e de objetos de gosto duvidoso.
4.O autor confessa que gostaria de escrever com a naturalidade com que C. Parker tocava, como se a sua arte (a escrita) fosse simples e natural como a do músico.
B 1. Resposta aberta.
II
1- 1.1-b; 1.2-d; 1.3-c; 1.4-a; 1.5-c; 1.6-d
2- 1-D; 2-A; 3-C; 4-E; 5-F
III- Resposta livre
Os testes foram muito utéis.
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