Os calções verdes do Bruno
Até a
camarada professora ficou espantada e interrompeu a aula quando o Bruno entrou
na sala. Não era só o que se via na mudança das roupas, mas também o que se
podia cheirar com a chegada daquele Bruno tão lavadinho.
No intervalo, em vez de irmos todos brincar a correr, cada um
ficou só espantado a passar perto do Bruno, mesmo a fingir que ia lá fazer outra
coisa qualquer. A antiga blusa vermelha tinha sido substituída por uma camisa de
manga curta esverdeada e flores brancas tipo Havai. Mas o mais espantoso era o
Bruno não trazer os calções dele verdes justos com duas barras brancas de lado.
A pele cheirava a sabonete azul limpo, as orelhas não tinham cera, as unhas
cortadas e limpas, o cabelo lavado e cheio de gel. Até os óculos estavam limpos.
Tortos mas limpos.
Lá fora a gritaria
continuava. O Bruno, ao contrário dos últimos seis anos de partilha escolar,
estava mais sério e mais triste.
Fiquei no fundo da
sala. Eu era grande amigo do Bruno e mesmo assim não consegui entender aquela
transformação. Olhei o pátio onde as meninas brincavam “trinta e cinco vitórias”. Na porta, uma
contra-luz do meio-dia iluminava a cara espantada da Romina. Eu olhava a Romina,
o sol na porta e o Bruno também.
O mujimbo já tinha
circulado lá fora e eu nem sabia. Havia uma explicação para tanto banho e
perfumaria. Parece que o Bruno estava apaixonado pela Ró. A mãe do Bruno tinha
contado à mãe do Hélder todos os acontecimentos incríveis da tarde anterior: a
procura de um bom perfume, o gel no cabelo, os sapatos limpos e brilhantes, a
camisa de botões. A mãe do Bruno disse à mãe do Hélder, “foi ele mesmo que me
chamou para eu lhe esfregar as costas”.
Depois do intervalo
o Bruno passou-me secretamente a carta. Começava assim:
Romina: nos últimos dias já não consigo
lanchar pão com marmelada e manteiga, e mesmo que a minha mãe faça batatas
fritas nunca tenho apetite de comer. Ainda por cima de noite só sonho com os
caracóis dos teus cabelos tipo cacho de uva…
A carta continuava
bonita como eu nunca soube que o Bruno sabia escrever assim. Ele tinha a cara
afundada nos braços, parecia adormecido, eu lia a carta sem acreditar que o
Bruno tinha escrito aquilo mas os erros de português eram muito dele mesmo. Era
uma das cartas de amor mais bonitas que ia ler na minha vida, e eu próprio, anos
mais tarde, ia escrever uma carta de amor também muito bonita, mas nunca tão
sincera como aquela.
A camarada
professora era muito má. Veio a correr e riu-se porque eu tinha lágrimas nos
olhos. Pegou na carta e rasgou tudo em pedacinhos tão pequenos como as minhas
lágrimas e as do Bruno. A Romina desconfiou de alguma coisa, porque também tinha
os olhos molhados.
O sino tocou.
Saímos. Era o último tempo.
No dia seguinte, com
um riso que era também de tristeza e uma espécie de saudade, o Bruno apareceu
com a blusa dele vermelha e os calções verdes justos com duas riscas brancas de
lado. Deu a gargalhada dele que incomodava a escola toda e veio brincar
connosco.
Na porta da sala,
uma contra-luz amarela do meio-dia iluminava a cara bonita da Romina e os olhos
dela molhados com lágrimas de ternura. E o Bruno também.
Ondjaki, in Os da Minha Rua
1.
Lê atentamente o conto “Os calções verdes do Bruno” de Ondjaki e seleciona a
alínea correta para cada ítem:
1.1.
Além
da roupa, Bruno espantou todos por causa
a.
do
cheiro.
b.
dos
sapatos novos.
c.
da
mochila.
1.2.
A
antiga blusa vermelha do Bruno foi substituída por
a.
uma
amarela com o desenho de um tubarão.
b.
uma
camisa esverdeada com flores.
c.
uma
branca lisa.
1.3.
O
motivo de Bruno estar triste era porque
a.
estava
doente.
b.
estava
cansado.
c.
estava
apaixonado.
1.4.
Na
carta que escreveu, Bruno dizia que não tinha vontade de
a.
brincar.
b.
estudar.
c.
comer.
1.5.
A
professora riu-se porque o narrador
a.
estava
com lágrimas nos olhos.
b.
tinha
negativa no teste.
c.
estava
mais limpo que de costume.
1.6.
Ao
ver a carta que Bruno tinha na mão, a professora
a.
guardou-a.
b.
foi
mostrá-la ao diretor.
c.
rasgou-a.
1.7.
No
dia seguinte, Bruno
a. apareceu na escola alegre, como de
costume.
b. continuava triste.
c. não apareceu na escola.
Simples e abrangente!
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