Pré-leitura:
- Sobre este quadro, o seu autor
disse uma das frases abaixo. Indica qual terá sido, justificando a tua
escolha:
- Pintei a solidão de uma grande
cidade.
- Pintei o convívio que se
estabelece numa cidade.
- Pintei um animado local de
convívio.
- Lê, agora, o texto e estabelece
uma ligação possível com o quadro.
“Havia
muito sol do outro lado”, José Eduardo Agualusa
Aquilo
tornara-se um vício. Ele ouvia um telefone a tocar e logo estendia o braço e
levantava o auscultador.
- E se fosse para mim?
Os amigos faziam troça:
- No consultório do teu dentista?
Uma noite estava sozinho, no Rossio, à espera de um taxi, quando o telefone tocou numa cabine ao lado. Era no fim da noite e chovia: uma água mole, desesperançada, tão leve que parecia emergir do próprio chão. Ruben enfiou as mãos nos bolsos do casaco.
- É claro que não vou atender - disse alto. - Não pode ser para mim. Se atender este telefone é porque estou a enlouquecer.
O telefone voltou a tocar. Não chegou a tocar cinco vezes. Ele correu para a cabine e atendeu.
- Está?
Estava muito sol do outro lado. Era, tinha de ser, uma tarde de sol.
- Posso falar com o Gustavo?
A voz dela iluminou a cabina. Ruben pensou em dizer que era o Gustavo. Estava ali, àquela hora absurda, abandonado como um náufrago na mais triste noite do mundo. Tinha direito de ser o Gustavo (fosse ele quem fosse).
- Você não vai acreditar mas a sua chamada foi parar a uma cabina telefónica.
Ela riu-se. Meus Deus – pensou Ruben- era como beber sol pelos ouvidos.
- Não brinques! És tu, Gustavo, não és?...
Sim ele tinha o direito de ser o Gustavo:
-Infelizmente não. Você ligou para uma cabina telefónica, no Rossio, eu estava à espera de um taxi e atendi.
Quase acrescentou: "pensei que pudesse ser para mim". Felizmente não disse nada. Ela voltou a rir:
-Tenho a sensação de que esta chamada vai ficar-me cara. Sabe onde estou?
Estava em Pulau Penang, na Malásia, e dali, do seu quarto, num hotel chamado Paradise, podia ver todo o esplendor do mar.
-Nunca vi nada com esta cor- sussurrou- só espero que Deus me dê a alegria de morrer no mar.
Ele ficou em silêncio. Aquilo parecia a letra de um samba. Ela começou a chorar:
- Desculpe que vergonha...Nem sequer sei como se chama.
Ruben apresentou-se:
- Ruben, 34 anos, trabalho em publicidade.
Pediu-lhe o número de telefone e ligou utilizando o cartão de crédito. Aquela chamada ficou-lhe cara. Casaram oito meses depois. Ele diz a toda a gente que foi o destino. Ela, pelo sim pelo não, proibiu-o de atender telefones.
José Eduardo Agualusa, in A substância do amor e outras crónicas
- E se fosse para mim?
Os amigos faziam troça:
- No consultório do teu dentista?
Uma noite estava sozinho, no Rossio, à espera de um taxi, quando o telefone tocou numa cabine ao lado. Era no fim da noite e chovia: uma água mole, desesperançada, tão leve que parecia emergir do próprio chão. Ruben enfiou as mãos nos bolsos do casaco.
- É claro que não vou atender - disse alto. - Não pode ser para mim. Se atender este telefone é porque estou a enlouquecer.
O telefone voltou a tocar. Não chegou a tocar cinco vezes. Ele correu para a cabine e atendeu.
- Está?
Estava muito sol do outro lado. Era, tinha de ser, uma tarde de sol.
- Posso falar com o Gustavo?
A voz dela iluminou a cabina. Ruben pensou em dizer que era o Gustavo. Estava ali, àquela hora absurda, abandonado como um náufrago na mais triste noite do mundo. Tinha direito de ser o Gustavo (fosse ele quem fosse).
- Você não vai acreditar mas a sua chamada foi parar a uma cabina telefónica.
Ela riu-se. Meus Deus – pensou Ruben- era como beber sol pelos ouvidos.
- Não brinques! És tu, Gustavo, não és?...
Sim ele tinha o direito de ser o Gustavo:
-Infelizmente não. Você ligou para uma cabina telefónica, no Rossio, eu estava à espera de um taxi e atendi.
Quase acrescentou: "pensei que pudesse ser para mim". Felizmente não disse nada. Ela voltou a rir:
-Tenho a sensação de que esta chamada vai ficar-me cara. Sabe onde estou?
Estava em Pulau Penang, na Malásia, e dali, do seu quarto, num hotel chamado Paradise, podia ver todo o esplendor do mar.
-Nunca vi nada com esta cor- sussurrou- só espero que Deus me dê a alegria de morrer no mar.
Ele ficou em silêncio. Aquilo parecia a letra de um samba. Ela começou a chorar:
- Desculpe que vergonha...Nem sequer sei como se chama.
Ruben apresentou-se:
- Ruben, 34 anos, trabalho em publicidade.
Pediu-lhe o número de telefone e ligou utilizando o cartão de crédito. Aquela chamada ficou-lhe cara. Casaram oito meses depois. Ele diz a toda a gente que foi o destino. Ela, pelo sim pelo não, proibiu-o de atender telefones.
José Eduardo Agualusa, in A substância do amor e outras crónicas
FICHA
DE AFERIÇÃO DE LEITURA DO CONTO
3. Esta crónica começa
com a frase “Aquilo tornara-se um vício.”.
Indica as palavras para que remete o pronome demonstrativo “Aquilo”.
4. “Era no fim da noite e chovia: uma água mole,
desesperançada, tão leve que parecia emergir do próprio chão.”
4.1.
Comprova as seguintes características da descrição
transcrita em 4:
a. emprego do verbo ser
e outros verbos caracterizadores de qualidades, de estados;
b. uso do presente ou do
pretérito imperfeito do indicativo;
c. abundância de
adjetivos qualificativos.
4.2.
Podemos distinguir, nesta descrição, elementos objetivos
e subjetivos. Indica uns e outros, justificando.
4.2.1. Transcreve outro
excerto do texto relativo ao tempo que reforça o caráter subjetivo desta
descrição.
4.3.
Identifica a principal função desta descrição:
a. informar sobre o
tempo em que a acção se desenrola.
b. revelar indiretamente
o estado de espírito da personagem.
c. ornamentar a
narrativa.
5. A situação em que ele
e ela se encontravam é em tudo oposta: local, momentos do dia, clima. Comprova
esta afirmação.
6. Transcreve as frases
que revelam o efeito que a voz e o riso dela provocaram em Ruben. Comenta a sua
expressividade.
7.
Que consequências teve aquele telefonema na vida das duas
personagens?
8.
Ruben descobriu o amor graças ao seu “vício” de atender
qualquer telefone que tocasse.
8.1.
Como interpretas essa necessidade? Na tua opinião, o que
revelará sobre a personagem?
BOM TRABALHO!!
A professora: Lucinda
Cunha
Proposta de correção (ficha e correção
retiradas do manual Diálogos 8, da
Porto Editora, pp.160-163):
1. a
2. No texto, há uma
personagem que é “viciada” em atender telefones. Esta procura constante de ouvir
os outros pode ser uma forma de fugir/ enganar a sua solidão.
3.
Remete para a frase que vem imediatamente a seguir: Ele ouvia um telefone a
tocar e logo estendia o braço e levantava o auscultador.
4.1. a. “Era”,
“parecia”; b. pretérito imperfeito do indicativo; c. mole, desesperançada, leve
4.2. objetivos: “era no fim da noite e
chovia”; subjetivos: “uma água mole,
desesperançada, tão leve que parecia emergir do próprio chão.”
4.2.1. “na mais
triste noite do mundo”
4.3. b
5. Ele estava num
espaço exterior, no Rossio, em Lisboa, numa noite de chuva. Ela encontrava-se
num espaço interior, num quarto de hotel em Pulau Penang, na Malásia, num dia
de sol.
6. “A voz dela
iluminou a cabina.”; “era como beber sol pelos ouvidos”. Estas frases revelam o
prazer intenso que a voz dela conseguiu provocar em Ruben, transformando a
“noite mais triste do mundo” num dia luminoso de sol.
7. Os dois casaram e
ele deixou de atender telefones.
8.1. É possível que
essa necessidade pudesse corresponder a um desejo de procurar (e descobrir) o
amor.
adorei. continua.
ResponderEliminarObrigada! Bom trabalho!
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