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terça-feira, 31 de julho de 2012

Conto brasileiro sobre a força do amor


OS AMORES DE UIRAPURU, O PÁSSARO VERMELHO
uirapuru

(Conto tradicional do Brasil)

            Numa aldeia bem escondida na floresta da amazónia vivia uma índia tão linda que quase todos os rapazes sonhavam casar com ela. Alguns já tinham tentado falar-lhe de amor, mas ela só se ria e não dava importância especial a nenhum deles. Certo dia, porém, o feiticeiro da tribo foi procurar os pais da menina e pediu-a em casamento. Aquele pedido era uma honra. No entanto ficaram tristes porque o feiticeiro, velho e feíssimo, tinha várias mulheres e péssimo feitio. Mas não tiveram outro remédio senão chamar a filha e dizer-lhe que se preparasse para a cerimónia mais importante da vida de uma mulher. De nada serviu à indiazinha chorar toda a noite e de nada lhe serviu também fugir para a floresta. O feiticeiro conhecia melhor do que ninguém os esconderijos em redor da aldeia e depressa a encontrou. A menina, desesperada, teve de se submeter à vontade dos pais e casou com o feiticeiro. Em vão tentaram animá-la, pois nem velhos nem novos conseguiram arrancar-lhe uma palavra. A índia mais bonita da tribo passava os dias no mais completo silêncio e só fazia amizade com os pássaros que vinham beber na margem do rio. O seu preferido era um magnífico uirapuru de penas vermelhas que bebia, comia, voava, aproximando-se das pessoas muito mais do que os outros pássaros, mas sem emitir qualquer som.

            ― Talvez se sinta tão triste como eu ― pensava a indiazinha. ― Somos como irmãos.

            Durante muito tempo limitou-se a observá-lo, depois começou a espalhar pelo chão as bagas que ele mais gostava de comer. A partir de certa altura quis oferecer-lhe também água e usou a taça mais bonita que tinha na cabana. O pássaro aparecia todas as manhãs, comia, bebia, espanejava-se sobre a taça, em seguida voava em círculos, desaparecia e só voltava ao pôr-do-sol. A indiazinha esperava-o cada vez mais impaciente. Um dia não resistiu e tentou agarrá-lo para lhe fazer uma festa. No momento em que lhe tocou, o pássaro transformou-se num belo rapaz de grandes olhos pretos e cabelos negros que à luz do sol poente adquiriam reflexos avermelhados. Só então perceberam que não era a amizade natural entre irmãos que os unia, era amor, um amor tão forte que até tivera aquele efeito mágico. Caíram nos braços um do outro e passaram a encontrar-se às escondidas numa outra clareira, longe da margem do rio. Ele chegava sempre na forma de pássaro, debicava os frutos, bebia água fresca que ela lhe preparava e em seguida, roçando-lhe a pele, transformava-se em homem.

            O feiticeiro começou a desconfiar daquelas andanças da mulher. Resolveu segui-la à distância e surpreendeu a cena do encontro. Cego de raiva, preparou uma poção destinada a impedir que o pássaro voltasse a tomar forma humana.

            No dia seguinte, quando a mulher saiu sozinha, pôs-se a soprar numa flauta que tinha o poder de o tornar invisível, embrenhou-se na mata, dirigiu-se à clareira, despejou umas gotas da maldita poção na taça de água fresca e ficou à espera para saborear a vingança.

            O uirapuru, conforme era costume, comeu, bebeu, lavou as penas, mas depois, por muito que afagasse a sua amada com o bico e com as asas, continuou na forma de pássaro. Exasperado, cantou pela primeira vez na vida uma melodia tão suave, tão sentida, que os outros pássaros da floresta se calaram para o ouvir.

            O feiticeiro, radiante, soltou uma gargalhada e apareceu à mulher. Ela num relance percebeu tudo e precipitou-se a beber da água que lhe roubara o seu amado. No mesmo instante transformou-se num uirapuru, de brilhante plumagem vermelha, levantou voo e juntou-se ao companheiro que escolhera e com quem viver o resto da vida. Receando que o feiticeiro conseguisse caçá-los, passaram a esconder-se por entre as copas das árvores mais cerradas e aí cantavam em liberdade, bem longe dos homens e dos seus feitiços.

            Há quem diga que tiveram muitos filhos, muitos netos, muitos bisnetos e que a todos ensinaram que deviam cantar sem se deixarem ver. Por isso ainda hoje, mesmo quem ouve o canto perfeito do uirapuru, raramente o vê.

In Ana Maria Magalhães e Isabel Alçada, Rãs, Príncipes e Feiticeiros

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