OS AMORES DE UIRAPURU, O PÁSSARO
VERMELHO
uirapuru |
(Conto
tradicional do Brasil)
Numa aldeia bem escondida na
floresta da amazónia vivia uma índia tão linda que quase todos os rapazes
sonhavam casar com ela. Alguns já tinham tentado falar-lhe de amor, mas ela só
se ria e não dava importância especial a nenhum deles. Certo dia, porém, o
feiticeiro da tribo foi procurar os pais da menina e pediu-a em casamento.
Aquele pedido era uma honra. No entanto ficaram tristes porque o feiticeiro,
velho e feíssimo, tinha várias mulheres e péssimo feitio. Mas não tiveram outro
remédio senão chamar a filha e dizer-lhe que se preparasse para a cerimónia
mais importante da vida de uma mulher. De nada serviu à indiazinha chorar toda
a noite e de nada lhe serviu também fugir para a floresta. O feiticeiro
conhecia melhor do que ninguém os esconderijos em redor da aldeia e depressa a
encontrou. A menina, desesperada, teve de se submeter à vontade dos pais e
casou com o feiticeiro. Em vão tentaram animá-la, pois nem velhos nem novos conseguiram
arrancar-lhe uma palavra. A índia mais bonita da tribo passava os dias no mais
completo silêncio e só fazia amizade com os pássaros que vinham beber na margem
do rio. O seu preferido era um magnífico uirapuru de penas vermelhas que bebia,
comia, voava, aproximando-se das pessoas muito mais do que os outros pássaros,
mas sem emitir qualquer som.
― Talvez se sinta tão triste como eu
― pensava a indiazinha. ― Somos como irmãos.
Durante muito tempo limitou-se a
observá-lo, depois começou a espalhar pelo chão as bagas que ele mais gostava
de comer. A partir de certa altura quis oferecer-lhe também água e usou a taça
mais bonita que tinha na cabana. O pássaro aparecia todas as manhãs, comia,
bebia, espanejava-se sobre a taça, em seguida voava em círculos, desaparecia e
só voltava ao pôr-do-sol. A indiazinha esperava-o cada vez mais impaciente. Um
dia não resistiu e tentou agarrá-lo para lhe fazer uma festa. No momento em que
lhe tocou, o pássaro transformou-se num belo rapaz de grandes olhos pretos e
cabelos negros que à luz do sol poente adquiriam reflexos avermelhados. Só
então perceberam que não era a amizade natural entre irmãos que os unia, era
amor, um amor tão forte que até tivera aquele efeito mágico. Caíram nos braços
um do outro e passaram a encontrar-se às escondidas numa outra clareira, longe
da margem do rio. Ele chegava sempre na forma de pássaro, debicava os frutos,
bebia água fresca que ela lhe preparava e em seguida, roçando-lhe a pele,
transformava-se em homem.
O feiticeiro começou a desconfiar
daquelas andanças da mulher. Resolveu segui-la à distância e surpreendeu a cena
do encontro. Cego de raiva, preparou uma poção destinada a impedir que o
pássaro voltasse a tomar forma humana.
No dia seguinte, quando a mulher
saiu sozinha, pôs-se a soprar numa flauta que tinha o poder de o tornar
invisível, embrenhou-se na mata, dirigiu-se à clareira, despejou umas gotas da
maldita poção na taça de água fresca e ficou à espera para saborear a vingança.
O uirapuru, conforme era costume,
comeu, bebeu, lavou as penas, mas depois, por muito que afagasse a sua amada
com o bico e com as asas, continuou na forma de pássaro. Exasperado, cantou
pela primeira vez na vida uma melodia tão suave, tão sentida, que os outros
pássaros da floresta se calaram para o ouvir.
O feiticeiro, radiante, soltou uma
gargalhada e apareceu à mulher. Ela num relance percebeu tudo e precipitou-se a
beber da água que lhe roubara o seu amado. No mesmo instante transformou-se num
uirapuru, de brilhante plumagem vermelha, levantou voo e juntou-se ao
companheiro que escolhera e com quem viver o resto da vida. Receando que o
feiticeiro conseguisse caçá-los, passaram a esconder-se por entre as copas das
árvores mais cerradas e aí cantavam em liberdade, bem longe dos homens e dos
seus feitiços.
Há quem diga que tiveram muitos
filhos, muitos netos, muitos bisnetos e que a todos ensinaram que deviam cantar
sem se deixarem ver. Por isso ainda hoje, mesmo quem ouve o canto perfeito do
uirapuru, raramente o vê.
In Ana Maria Magalhães e Isabel Alçada, Rãs, Príncipes e Feiticeiros
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