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Sei que há muita gente que consulta este blogue e utiliza os materiais aqui publicados, mas poucos deixam comentários e eu gostava mesmo de saber a vossa opinião... :-) textosintegrais@gmail.com

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quinta-feira, 7 de fevereiro de 2013

OBRIGADA A TODOS!!!!

Receber 100 000 visitas em quatro meses é fantástico!!!!!! E bom sinal ;-) ainda há quem estude para a disciplina de Língua Portuguesa /Português (é que há muitos meninos /as que acham que não é preciso...).
Para comemorar, fica aqui uma brincadeira: uma crónica do Ricado Araújo Pereira, cheia de "põntapés na gueramática" para vocês corrigirem. É o que se chama "aprender a brincar" :-)
 
U omãi qe dava pulus (i põtapés na gueramática)          
 

"Ser visto e ser ouvisto pelos portugueses é também uma razão de justificar o investimento" - Miguel Relvas
 
 
            A gente somos um país muita curioso. Houveram eleições e, com base no que tínhamos visto e ouvisto na campanha eleitoral, votámos maioritariamente nos partidos que assinaram com a troika um acordo, digamos, difícil de cumprir. Mas hádem dizer-me quantos são, mesmo entre os que votaram no seu partido, aqueles que admiram, respeitam ou sequer toleram o trabalho e a figura de Miguel Relvas. O ministro não parece ser muito popular, derivado do seu envolvimento em alguns escândalos como, por exemplo, o da licenciatura. Mas nem por isso deslarga o poder. Entrou para dentro do Governo, há dois anos atrás, e ninguém o tira de lá. Para fora.
           Prontos, mas as pessoas não são só defeitos. E Miguel Relvas tem o grande mérito de constituir um exemplo, parece-me a mim. Muitos desempregados não conseguem arranjar emprego por causa que têm habilitações a mais. Miguel Relvas obteve o seu emprego mesmo tendo claramente habilitações a menos. Apontou para baixo e foi bem sucedido. Estabeleceu um objectivo mais modesto e atingiu-o. E ainda o acusam de ser muito ambicioso...
            Os cortes no Estado social não são uma necessidade de poupança, são uma estratégia de futuro. Relvas deseja que o Governo faça cortes na educação porque ele próprio cortou na sua e venceu. Conhece, por experiência própria, as vantagens de desinvestir na educação. É um exemplo de sucesso de deformação profissional. Como cidadões, temos muito a aprender com ele. Ou a desaprender, já não sei.
             Soares fala mal francês, Sócrates falava mal inglês e espanhol, e Relvas fala mal português. Quase todos os políticos que nos governam hoje falam mal português, aliás. Veja-se o caso de Angela Merkel. Saberá dizer duas, três palavras no máximo. Os nossos dirigentes sempre tiveram um problema com as línguas. E, tendo em conta o estado em que o país se encontra, também não parecem ser melhores nos números. Talvez tenham sido daqueles alunos que só eram bons em educação física.


Ler mais: http://visao.sapo.pt/u-omai-qe-dava-pulus-i-potapes-na-gueramatica=f711252#ixzz2KDxWZMjf
 
 
Proposa de correção:
O homem que dava pulos (e pontapés na gramática)

"Ser visto e ser ouvisto pelos portugueses é também uma razão de justificar o investimento" - Miguel Relvas
            Nós somos um país muito curioso. Houve eleições e, com base no que tínhamos visto e ouvido na campanha eleitoral, votámos maioritariamente nos partidos que assinaram com a troika um acordo, digamos, difícil de cumprir. Mas hão de dizer-me quantos são, mesmo entre os que votaram no seu partido, aqueles que admiram, respeitam ou sequer toleram o trabalho e a figura de Miguel Relvas. O ministro não parece ser muito popular, devido ao seu envolvimento em alguns escândalos como, por exemplo, o da licenciatura. Mas nem por isso larga o poder. Entrou para o Governo, há dois anos atrás, e ninguém o tira de lá. Para fora.
            Mas as pessoas não são só defeitos. E Miguel Relvas tem o grande mérito de constituir um exemplo, parece-me a mim. Muitos desempregados não conseguem arranjar emprego por  terem habilitações a mais. Miguel Relvas obteve o seu emprego mesmo tendo claramente habilitações a menos. Apontou para baixo e foi bem sucedido. Estabeleceu um objectivo mais modesto e atingiu-o. E ainda o acusam de ser muito ambicioso...
           Os cortes no Estado social não são uma necessidade de poupança, são uma estratégia de futuro. Relvas deseja que o Governo faça cortes na educação porque ele próprio cortou na sua e venceu. Conhece, por experiência própria, as vantagens de desinvestir na educação. É um exemplo de sucesso de deformação profissional. Como cidadãos, temos muito a aprender com ele. Ou a desaprender, já não sei.
              Soares fala mal francês, Sócrates falava mal inglês e espanhol, e Relvas fala mal português. Quase todos os políticos que nos governam hoje falam mal português, aliás. Veja-se o caso de Angela Merkel. Saberá dizer duas, três palavras no máximo. Os nossos dirigentes sempre tiveram um problema com as línguas. E, tendo em conta o estado em que o país se encontra, também não parecem ser melhores nos números. Talvez tenham sido daqueles alunos que só eram bons em educação física.

PODIA SER DESTA MANEIRA? PODER, PODIA, MAS NÃO ERA  MESMA COISA! ;-)

domingo, 24 de junho de 2012

Declaração de Amor à Língua Portuguesa

Recebi este texto por email como sendo da autoria da escritora Teolina Gersão. Não sei se o será, mas é uma boa reflexão sobre a nossa gramática, perdão! conhecimento explícito da língua. Depois da Gramática e da TLEBS, agora estamos às voltas com o dicionário terminológico. A ver se é desta que se chega a um acordo!

Teolinda Gersão
Escritora

Tempo de exames no secundário, os meus netos pedem-me ajuda para estudar português. Divertimo-nos imenso,confesso. E eu acabei por escrever a redacção que eles gostariam de escrever. As palavras são minhas,mas as ideias são todas deles.
Aqui ficam,e espero que vocês também se divirtam. E depois de rirmos espero que nós, adultos, façamos alguma coisa para libertar as crianças disto.
Redacção– Declaração de Amor à Língua Portuguesa
Vou chumbar a Língua Portuguesa, quase toda a turma vai chumbar, mas a gente está tão farta que já nem se importa. As aulas de português são um massacre. A professora? Coitada, até é simpática, o que a mandam ensinar é que não se aguenta. Por exemplo, isto: No ano passado, quando se dizia “ele está em casa”, ”em casa” era o complemento circunstancial de lugar. Agora é o predicativo do sujeito. “O Quim está na retrete” : “na retrete” é o predicativo do sujeito, tal e qual como se disséssemos “ela é bonita”. Bonita é uma característica dela, mas “na retrete” é característica dele? Meu Deus, a setôra também acha que não, mas passou a predicativo do sujeito, e agora o Quim que se dane, com a retrete colada ao rabo.
No ano passado havia complementos circunstanciais de tempo, modo, lugar etc., conforme se precisava. Mas agora desapareceram e só há o desgraçado de um“complemento oblíquo”. Julgávamos que era o simplex a funcionar: Pronto, é tudo“complemento oblíquo”, já está. Simples, não é? Mas qual, não há simplex nenhum,o que há é um complicómetro a complicar tudo de uma ponta a outra: há por exemplo verbos transitivos directos e indirectos, ou directos e indirectos ao mesmo tempo, há verbos de estado e verbos de evento,e os verbos de evento podem ser instantâneos ou prolongados, almoçar por exemplo é um verbo de evento prolongado (um bom almoço deve ter aperitivos, vários pratos e muitas sobremesas). E há verbos epistémicos, perceptivos, psicológicos e outros, há o tema e o rema, e deve haver coerência e relevância do tema com o rema; há o determinante e o modificador, o determinante possessivo pode ocorrer no modificador apositivo e as locuções coordenativas podem ocorrer em locuções contínuas correlativas. Estão a ver? E isto é só o princípio. Se eu disser: Algumas árvores secaram, ”algumas” é um quantificativo existencial, e a progressão temática de um texto pode ocorrer pela conversão do rema em tema do enunciado seguinte e assim sucessivamente.
No ano passado se disséssemos “O Zé não foi ao Porto”, era uma frase declarativa negativa. Agora a predicação apresenta um elemento de polaridade, e o enunciado é de polaridade negativa.
No ano passado, se disséssemos “A rapariga entrou em casa. Abriu a janela”, o sujeito de “abriu a janela” era ela,subentendido. Agora o sujeito é nulo. Porquê, se sabemos que continua a ser ela? Que aconteceu à pobre da rapariga? Evaporou-se no espaço?
A professora também anda aflita. Pelo vistos no ano passado ensinou coisas erradas, mas não foi culpa dela se agora mudaram tudo, embora a autora da gramática deste ano seja a mesma que fez a gramática do ano passado. Mas quem faz as gramáticas pode dizer ou desdizer o que quiser, quem chumba nos exames somos nós. É uma chatice. Ainda só estou no sétimo ano, sou bom aluno em tudo excepto em português,que odeio, vou ser cientista e astronauta, e tenho de gramar até ao 12º estas coisas que me recuso a aprender, porque as acho demasiado parvas. Por exemplo,o que acham de adjectivalização deverbal e deadjectival, pronomes com valor anafórico, catafórico ou deítico, classes e subclasses do modificador, signo linguístico, hiperonímia, hiponímia, holonímia, meronímia, modalidade epistémica, apreciativa e deôntica, discurso e interdiscurso, texto, cotexto, intertexto, hipotexto, metatatexto, prototexto, macroestruturas e microestruturas textuais, implicação e implicaturas conversacionais? Pois vou ter de decorar um dicionário inteirinho de palavrões assim. Palavrões por palavrões, eu sei dos bons, dos que ajudam a cuspir a raiva. Mas estes palavrões só são para esquecer. Dão um trabalhão e depois não servem para nada, é sempre a mesma tralha, para não dizer outra palavra (a começar por t, com 6 letras e a acabar em “ampa”, isso mesmo, claro.)
Mas eu estou farto. Farto até de dar erros, porque me põem na frente frases cheias deles, excepto uma, para eu escolher a que está certa. Mesmo sem querer, às vezes memorizo com os olhos o que está errado, por exemplo: haviam duas flores no jardim. Ou : a gente vamos à rua. Puseram-me erros desses na frente tantas vezes que já quase me parecem certos. Deve ser por isso que os ministros também os dizem na televisão. E também já não suporto respostas de cruzinhas, parece o totoloto. Embora às vezes até se acerte ao calhas. Livros não se lê nenhum, só nos dão notícias de jornais e reportagens,ou pedaços de novelas. Estou careca de saber o que é o lead, parem de nos chatear. Nascemos curiosos e inteligentes, mas conseguem pôr-nos a detestar ler, detestar livros, detestar tudo. As redacções também são sempre sobre temas chatos, com um certo formato e um número certo de palavras. Só agora é que estou a escrever o que me apetece, porque já sei que de qualquer maneira vou ter zero.
E pronto, que se lixe, acabei a redacção – agora parece que se escreve redação.O meu pai diz que é um disparate, e que o Brasil não tem culpa nenhuma, não nos quer impôr a sua norma nem tem sentimentos de superioridade em relação a nós, só porque é grande e nós somos pequenos. A culpa é toda nossa, diz o meu pai, somos muito burros e julgamos que se escrevermos ação e redação nos tornamos logo do tamanho do Brasil, como se nos puséssemos em cima de sapatos altos. Mas, como os sapatos não são nossos nem nos servem, andamos por aí aos trambolhões, a entortar os pés e a manquejar. E é bem feita, para não sermos burros.
E agora é mesmo o fim. Vou deitar a gramática na retrete, e quando a setôra me perguntar: Ó João, onde está a tua gramática? Respondo: Está nula e subentendida na retrete, setôra, enfiei-a no predicativo do sujeito.
João Abelhudo, 8º ano, turma C (c de c…r…o, setôra, sem ofensa para si, que até é simpática).

segunda-feira, 27 de junho de 2011

O Gigante Adamastor- texto em prosa- João de Barros

“(…)
Navegamos cada vez mais por diante, vencendo sempre com boa cara os perigos incessantes que surgiam.
Mas, cinco dias depois da aventura de Veloso, numa noite em que sopravam ventos prósperos, estando nós de vigia, uma nuvem imensa, que os ares escurecia, apareceu de súbito sobre as nossas cabeças.
Tão temerosa e carregada vinha que os nossos valentes corações se encheram de pavor!
O Mar bramia ao longe, como se batesse nalgum distante rochedo. Tudo infundia pavor. E nunca na nossa viagem tínhamos encontrado nuvem tão espessa e tão assustadora. Todas as tempestades pareciam vir dentro dela, para de lá saírem e nos assaltarem.
Erguendo a voz ao Céu, supliquei piedade a Deus.
Mal acabava de rezar e logo uma figura surgiu no ar, robusta, fortíssima, gigantesca, de rosto pálido e zangado, de barba suja, de olhos encovados, e numa atitude feroz.
Os cabelos eram crespos e cheios de terra. A boca era negra. Os dentes amarelos.
Tão grandes eram os seus membros, que julguei ver um segundo colosso de Rodes, esse colosso que era uma das sete maravilhas do Mundo, de tal maneira alto que, diz-se, por baixo das suas pernas passavam à vontade enorme navios!...
Num tom de voz grossa, como a voz do mar profundo, começou a falar-nos.
Arrepiámo-nos todos, só de ouvir e de ver tão monstruosa criatura.
Disse então o Gigante, voltando-se para nós:
Ó Gente ousada mais de que nenhuma outra, que nunca descansais de lutas e combates, já que não temeis ultrapassar os limites onde ninguém mais chegou, e navegar por mares que me pertencem; já que vindes devassar os meus segredos escondidos, que nenhum humano deveria conhecer ouvi agora os danos que prevejo para vós, para a vossa raça, que subjugará no entanto todo o largo Mar e a imensa Terra.
Ficai sabendo que todas as naus que fizerem esta viagem encontrarão castigo merecido do seu atrevimento sem par! as maiores dificuldades nestes meus domínios. E sofrerão o horror de tormentas desmedidas.
Punirei de tal modo a primeira armada que vier aqui depois da vossa frota, que os seus tripulantes mal sentirão talvez o perigo de me defrontarem. Mas hão de chorar depois do dano que eu lhes fizer…
Hei de me vingar de quem primeiro me descobriu, do vosso Bartolomeu Dias, fazendo-o naufragar aqui mesmo.
E outras vinganças imprevistas executarei…
D. Francisco de Almeida deixará aqui a sua glória e os troféus que arrancar aos Turcos. Manuel Sepúlveda verá aqui morrer os filhos queridos, verá aqui sofrer mil ferimentos a sua mulher, que os negros cafres hão de torturar e matar.
E tantos, tantos mais dos vossos, hão de experimentar a fúria do meu ódio pela audácia de me inquietarem, perturbando a solidão em que vivo e quero viver…
Era tão assustador o que me dizia o monstro horrendo, que eu o interrompi, perguntando-lhe quem ele era, e porque estava assim tão zangado.
Retorcendo a boca e os olhos, e lançando um espantoso brado, respondeu-me em voz pesada e amarga, como quem se aborrecera da pergunta feita:
Eu sou aquele oculto e grande Cabo, a quem vós tendes chamado Tormentório, e que ninguém, a não ser vós, Portugueses, algum dia conheceu e descobriu.
Sou um rude filho da Terra, e meu nome é Adamastor.
Andei na luta contra o meu Deus, contra Júpiter, e, depois, fiz-me capitão do mar e conquistei as ondas do Oceano.
E então me apaixonei por Tétis, princesa do mar e filha de Neptuno.
Ai de mim!... Sou tão feio, tão horrível, que ela nem me podia olhar!
Determinei conquistá-la à força e mandei-lhe participar esta minha intenção.
Tétis fingiu aceitar o meu pedido de casamento…
E julguei certa noite vê-la e supus que vinha visitar-me e combinar as nossas bodas.
Deslumbrado, corri como um doido para ela e comecei a abraçá-la.
Mas nem sei de tristeza como conte o que me sucedeu…
Julgando abraçar quem amava, achei-me de repente abraçado a um duro monte, coberto de mato bravio e espesso. Tétis transformara-se em rocha feia e fria!
Vendo um penedo a tocar a minha fronte, em lugar do roto angélico de Tétis, penedo me tornei também, de desespero.
Em penedos se me fizeram os ossos, a carne em terra inculta, e estes membros e esta figura que te horroriza estenderam-se pelo mar fora.
Enfim, a minha grandíssima estatura converteu-se neste remoto Cabo.
E, para redobrar as minhas mágoas, Tétis anda-me sempre cercando, transformada em onda.
E, como as ondas, que ora estão junto da praia, ora dela fogem para o mar alto, assim faz a princesa do Oceano: ora está perto, ora longe de mim, nunca se deixando prender, nunca ficando tranquila entre os meus braços de pedra…
Assim contou a sua história o Gigante Adamastor… E logo de seguida a nuvem negra, que nos escondia o céu, desfez-se e o Mar bramiu ao longe, muito ao longe…
De novo rezei a Deus, pedindo-lhe que nos guardasse dos perigos que o Adamastor anunciara.
Quando a manhã rompia, é que avistamos e torneamos o Cabo em que se tinha convertido o grande gigante. (…)”
In Os Lusíadas de Luís de Camões contados às crianças e lembrados ao povo,
adaptação em prosa de João de Barros

sábado, 18 de junho de 2011

Excerto da crónica "O vampiro de Berlim" de Agualusa

       "O meu filho quer ser vampiro. Fui com ele a uma livraria, na intenção de lhe comprar O Mandarim, do Eça, e saímos de lá com uma coisa chamada Sangue Fresco. A coisa em causa tem um blogue ao seu serviço e serviu de base a uma série para a televisão, True Blood, criada por Alan Ball, que já se havia distinguido anteriormente ao produzir Sete Palmos de Terra. O meu filho convenceu-me também a comprar e a ver com ele Crepúsculo, sobre uma bela adolescente, Isabella (Kristen Stewart) que se apaixona por Edward Cullen (Robert Pattinson), um colega solitário e excessivamente maquilhado. “Eu não sou um super-herói, pelo contrário, estou do outro lado”, explica Edward à jovem, tentando justificar alguns dos seus estranhos poderes. Ela não se convence da maldade do rapaz, e com razão. Trata-se, na verdade, de um vampiro light, que recusa alimentar-se de sangue humano, o que a mim me parece uma perversão horrorosa.
     Quando eu tinha a idade do meu filho os vampiros eram honestamente mais e por isso gostávamos tanto deles. Agora bebem cerveja sem álcool, café sem cafeína, não fumam, são estudantes aplicados e demonstram uma exasperante propensão para a melancolia e o amor platónico. (…)
     Conheci um vampiro. Foi em 2001. Passei aquele ano em Berlim, a escrever, beneficiando de uma bolsa literária atribuída por uma instituição alemã. Uma noite a minha mulher adoeceu e vi-me forçado a chamar um médico. Creio que fui à lista telefónica e escolhi um ao acaso. Passado meia hora apareceu à porta um sujeito sem nada de notável, exceto a palidez de inválido, e uma ligeira gaguez, que na altura julguei ser consequência de um acanhamento indomável.
     Suponho que se apaixonou pela minha mulher, pois a partir daquela noite passou a visitar-nos às horas mais improváveis, trazendo flores, chocolates e — durante o Festival Internacional de Cinema de Berlim — bilhetes para os melhores filmes. Uma noite convidou-nos para jantar. Levou-nos a um restaurante caro, encomendou um vinho magnífico e tornou-se eloquente e (quase) divertido. Por fim, recostou-se e confessou que nos trouxera ali para revelar algo importante. Fez-nos aguardar alguns segundos, e anunciou: “Sou um vampiro!”
     Soltei uma gargalhada. Milagres de um bom vinho, pensei, capaz de transformar um alemão grave e tímido num razoável humorista. O homem esticou-se na cadeira, ainda mais pálido, e só então compreendi que falava a sério. “Sou um vampiro”, insistiu — voltara-lhe a gaguez. Acrescentou que pertencia a uma antiga confraria de vampiros teutónicos. Dias depois levou-nos a visitar uma amiga, artista plástica, em cujo estúdio se mergulhava através de uma intensa luz púrpura. (…) Também a artista fazia parte — pelo que julguei compreender — da tal confraria de vampiros.
     No dia em que saímos de Berlim foi o nosso vampiro quem nos levou ao aeroporto. Ofereceu-nos a, à despedida, três pequena estatuetas africanas, representando mascarados a dançar (muxiques). Guardo-as até hoje. Guardo igualmente uma série de postais, com temas vampíricos, que o nosso amigo nos enviou durante vários meses, e aos quais nunca respondemos.
     Foi em Berlim, portanto, que comecei a perder a fé nos vampiros. Vivemos num tempo estranho, em que já nem a maldade é genuína. Tentei explicar tudo isto ao meu filho, mas não tive sucesso. Ele insiste. Há de ser vampiro. Pior do que isso só lutador de wrestling. "
     José Eduardo Agualusa, in revista Pública, 19/4/2008 (texto com supressões)

quarta-feira, 8 de junho de 2011

A Espada de Dâmocles

«A Espada de Dâmocles

Era uma vez, um rei chamado Dionísio, monarca de Siracusa, a cidade mais rica da Sicília. Vivia num palácio cheio de requintes e de coisas bonitas, atendido por uma criadagem sempre disposta a fazer-lhe às vontades.
Naturalmente, por ser rico e poderoso, muitos siracusanos invejavam-lhe a sorte. Dâmocles estava entre eles. Era dos melhores amigos de Dionísio e dizia-lhe freqüentemente.
- Que sorte a sua! Você tem tudo que se pode desejar. Só pode ser o homem mais feliz do mundo!
Dionísio foi ficando cansado de ouvir esse tipo de conversa.
- Ora essa! Você acha mesmo que eu sou mais feliz do que todo mundo?
O amigo respondeu:
- Mas é claro! Olhe só o seu tesouro e todo o seu poder! Você não tem absolutamente nada com que se preocupar. Poderia sua vida ser melhor do que isso?
- Talvez você queira trocar de lugar comigo - disse Dionísio.
- Ora, eu nem sonharia com uma coisa dessas! Mas se eu pudesse ter sua riqueza e desfrutar de todos esses prazeres por um dia apenas, não desejaria felicidade maior.
- Pois bem! Troque de lugar comigo por um dia apenas e desfrute disso tudo. E então, no dia seguinte, Dâmocles foi levado ao palácio e todos os criados reais lhe puseram na cabeça as coroas de ouro. Ele sentou-se à mesa na sala de banquetes e foi-lhe servida lauta refeição. Nada lhe faltou ao seu bel-prazer. Havia vinhos requintados, raros perfumes, lindas flores e música maravilhosa. Recostou-se em almofadas macias. Sentiu-se o homem mais feliz do mundo.
- Ah, isso é que é vida! - confessou a Dionísio, que se encontrava sentado à mesa, na outra extremidade. - Nunca me diverti tanto.
Dâmocles enrijeceu-se todo. O sorriso fugiu-lhe dos lábios e o rosto empalideceu. Suas mãos estremeceram. Esqueceu-se da comida, do vinho, da música. Só quis saber de ir embora dali, para bem longe do palácio, para onde quer que fosse. Pois pendia bem acima de sua cabeça uma espada, presa ao teto por um único fio de crina de cavalo. A lâmina brilhava, apontando diretamente para seus olhos. Ele foi se levantando, pronto para sair correndo, mas deteve-se tremendo que um movimento brusco pudesse arrebentar aquele fiozinho fino e fizesse com a espada lhe caísse em cima. Ficou paralisado, preso ao assento.
- O que foi, meu amigo? - perguntou Dionísio - Parece que você perdeu o apetite.
- Essa espada! Essa espada! - disse o outro, num sussurro - Você não está vendo?
- É claro que estou. Vejo-a todos os dias. Está sempre pendendo sobre minha cabeça e há sempre a possibilidade de alguém ou alguma coisa partir o fio. Um dos meus conselheiros pode ficar enciumado do meu poder e tentar me matar. As pessoas podem espalhar mentiras a meu respeito, para jogar o povo contra mim. Pode ser que um reino vizinho envie um exército para tomar-me o trono. Ou então, posso tomar uma decisão errônea que leve à minha derrocada. Quem quer ser líder precisa estar disposto a aceitar esses riscos. Eles vêm
junto com o poder, percebe?
- É claro que percebo! - disse Dâmocles - Vejo agora que eu estava enganado e que você tem muitas coisas no que pensar além de sua riqueza e fama. Por favor, assuma o seu lugar e deixe-me voltar para a minha casa.
Até o fim de seus dias, Dâmocles não voltou a querer trocar de lugar com o rei, nem por um momento sequer.
Adaptação do
Original de James Baldwin»

quinta-feira, 31 de março de 2011

Brincriações...

PERGUNTAS À LÍNGUA PORTUGUESA - MIA COUTO

Venho brincar aqui no Português, a língua.
Não aquela que outros embandeiram. Mas a língua nossa, essa que dá gosto a gente namorar e que nos faz a nós, moçambicanos, ficarmos mais Moçambique. Que outros pretendam cavalgar o assunto para fins de cadeira e poleiro pouco me acarreta.
A língua que eu quero é essa que perde função e se torna carícia. O que me apronta é o simples gosto da palavra, o mesmo que a asa sente aquando o voo. Meu desejo é desalisar a linguagem, colocando nela as quantas dimensões da Vida. E quantas são? Se a Vida tem é idimensões?
Assim, embarco nesse gozo de ver como escrita e o mundo mutuamente se desobedecem. Meu anjo-da-guarda, felizmente, nunca me guardou.
Uns nos acalentam: que nós estamos a sustentar maiores territórios da lusofonia.
Nós estamos simplesmente ocupados a sermos. Outros nos acusam: nós estamos a desgastar a língua. Nos falta domínio, carecemos de técnica.
Ora qual é a nossa elegância? Nenhuma, excepto a de irmos ajeitando o pé a um novo chão. Ou estaremos convidando o chão ao molde do pé? Questões que dariam para muita conferência, papelosas comunicações.
Mas nós, aqui na mais meridional esquina do Sul, estamos exercendo é a ciência de sobreviver. Nós estamos deitando molho sobre pouca farinha a ver se o milagre dos pães se repete na periferia do mundo, neste sulbúrbio.
No enquanto, defendemos o direito de não saber, o gosto de saborear ignorâncias. Entretanto, vamos criando uma língua apta para o futuro, veloz como a palmeira, que dança todas as brisas sem deslocar seu chão.
Língua artesanal, plástica, fugidia a gramáticas.
Esta obra de reinvenção não é operação exclusiva dos escritores e linguistas. Recriamos a língua na medida em que somos capazes de produzir um pensamento novo, um pensamento nosso. O idioma, afinal, o que é senão o ovo das galinhas de ouro?
Estamos, sim, amando o indomesticável, aderindo ao invisível, procurando os outros tempos deste tempo. Precisamos, sim, de senso incomum. Pois, das leis da língua, alguém sabe as certezas delas?
Ponho as minhas irreticências. Veja-se, num sumário exemplo, perguntas que se podem colocar à língua:

• Se pode dizer de um careca que tenha couro cabeludo?

• No caso de alguém dormir com homem de raça branca é então que se aplica a expressão: passar a noite em branco?

• A diferença entre um ás no volante ou um asno volante é apenas de ordem fonética?
• O mato desconhecido é que é o anonimato?

• O pequeno viaduto é um abreviaduto?

• Como é que o mecânico faz amor? Mecanicamente.

• Quem vive numa encruzilhada é um encruzilhéu?

• Se diz do brado de bicho que não dispõe de vértebras: o invertebrado?

• Tristeza do boi vem de ele não se lembrar que bicho foi na última reencarnação. Pois se ele, em anterior vida, beneficiou de chifre o que está ocorrendo não é uma reencornação?

• O elefante que nunca viu mar, sempre vivendo no rio: devia ter marfim ou riofim?

• Onde se esgotou a água se deve dizer: "aquabou"?

• Não tendo sucedido em Maio mas em Março o que ele teve foi um desmaio ou um desmarço?

• Quando a paisagem é de admirar constrói-se um admiradouro?

• Mulher desdentada pode usar fio dental?

• A cascavel a quem saiu a casca fica só uma vel?

• As reservas de dinheiro são sempre finas. Será daí que vem o nome: "finanças"?

• Um tufão pequeno: um tufinho?

• O cavalo duplamente linchado é aquele que relincha?

• Em águas doces alguém se pode salpicar?

• Adulto pratica adultério. E um menor: será que pratica minoritério?

• Um viciado no jogo de bilhar pode contrair bilharziose?

• Um gordo, tipo barril, é um barrilgudo?

• Borboleta que insiste em ser ninfa: é ela a tal ninfomaníaca?

Brincadeiras, brincriações.

E é coisa que não se termina.

Lembro a camponesa da Zambézia. Eu falo português corta-mato, dizia. Sim, isso que ela fazia é, afinal, trabalho de todos nós. Colocámos essoutro português - o nosso português - na travessia dos matos, fizemos com que ele se descalçasse pelos atalhos da savana.

Nesse caminho lhe fomos somando colorações. Devolvemos cores que dela haviam sido desbotadas - o racionalismo trabalha que nem lixívia. Urge ainda adicionar-lhe músicas e enfeites, somar-lhe o volume da superstição e a graça da dança.

É urgente recuperar brilhos antigos.

Devolver a estrela ao planeta dormente.

Mia Couto